Via Dolorosa

Luiz Fernando dos Santos
6/4/2020
Devocional

“Foi desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de tristeza e familiarizado com o sofrimento” (Isaías 53.3)

Estamos vivendo a semana da paixão, também conhecida como a semana das dores de Jesus Cristo, cujo ponto alto das celebrações litúrgicas, é a sexta-feira da paixão. Existe dentro dos muros da cidade velha de Jerusalém um conjunto de vias e vielas denominado “Via Crucis”. Os historiadores não são exatamente unânimes em crer na veracidade do caminho por onde Jesus teria passado, rumo ao Calvário, contudo, a força da Tradição se impôs aqui. Com quatorze estações, o percurso marca toda a trajetória de sofrimento e dor de Jesus Cristo dos flagelos à crucificação. Cristãos católicos, ortodoxos, anglicanos, luteranos, e alguns reformados e também evangélicos, costumam meditar nos sofrimentos de Jesus ao percorrem essa “Via Dolorosa”. Esta sexta-feira da paixão será muito diferente para muitas igrejas, (as mais litúrgicas, pelo menos), pois não haverá a liturgia da paixão e o ‘tradicional’ sermão das sete palavras. Entretanto, talvez nossa geração não tenha visto uma sexta-feira tão dolorosa como essa em todo o mundo. Porque, mesmo durante as guerras, em dias assim, muitos ‘fronts’ de batalha se abstiveram do combate e observaram, a seu modo esse dia, se não especial, pelo menos diferente para um grande contingente de cristãos. Desta vez, não será assim. O vírus continuará fazendo vítimas fatais pelo mundo e muitas famílias perderão os seus entes queridos e sem poder darem o último adeus e entregá-los à terra com a devida dignidade. Muitos lares e para falar a verdade países, atingirão o ápice da dor e do sofrimento, justamente nessa semana e nesta sexta-feira. Será uma semana verdadeiramente crucificada! E como os cristãos deverão celebrar essa paixão? Como deverão meditar nessa paixão? E como responderão a essa paixão mundial? Não há outro jeito, a não ser, a de assumir em Cristo como nossa paixão pessoal, como a nossa cruz pessoal e seguir oferecendo a Cristo o nosso corpo como sacrifício vivo, santo e agradável (Rm 12.2). Devemos declarar como Paulo: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gálatas 2:20) e ainda: “Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês, e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja” (Colossenses 1:24), porque “Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo” (2 Coríntios 4:10). Esta vida ‘cuciforme’ nos leva a um profundo sentimento de solidariedade com toda a ‘família humana’. Não somos expectadores, mas consortes dos dramas e das dores de todos e cada um. Por isso a melhor maneira de viver a liturgia da sexta-feira da paixão é fazer a passagem da memória dos feitos do passado para o efetivo engajamento com o calvário planetário dessa pandemia. Nosso engajamento é o de levar em nossos corações a dor de cada vida perdida, o dilema ético vivido por cada médico que escolhe quem vive e quem morre nos saturados sistemas de saúde mundo afora. Ter em mente o aviltamento sofrido por cada família que não consegue dignamente sepultar os seus. É nosso dever trazer em nosso peito a desesperança de quem perdeu o seu emprego ou a sua fonte de renda e os temores em relação ao presente e os medos quanto ao futuro, quando a nova normalidade se instalar. Não podemos ainda, nos esquecer dos bolsões de miséria nas periferias dos grandes centros e a tragédia humanitária iminente, por falta de saneamento básico e etc. O nosso serviço litúrgico, nessa sexta-feira da paixão, talvez seja menos numinoso, todavia, será mais existencial. Recordaremos o Cristo que sofre em cada homem, que padece em cada dor...e choraremos cada morte, intercederemos por cada vida, suplicaremos pela perseverança dos que estão na lida diária nos hospitais, nas ruas, nos campos, nos mais variados postos de serviço para aliviar a crise. Rogaremos pelo livramento do mundo e que este Calvário logo passe, que a noite avance e esteja próxima a radiosa manhã da ressurreição.