Resgatando princípios escriturísticos do ministério pastoral
INTRODUÇÃO
Boa parte da igreja contemporânea experimenta um desgaste na sua relação com o pastor. Este problema não é novo e tem se intensificado por causa de características bem peculiares de nosso tempo. O povo de Deus tem sido influenciado pelos conceitos pós-modernos do relativismo, individualismo, pragmatismo e egocentrismo distanciando-se de princípios escriturísticos que devem reger o ministério pastoral.
O pastorado foi instituído por Deus para ajudar a igreja a cumprir seu propósito de louvá-lo através da evangelização e de sua edificação. Por isso é o Senhor, através da sua Palavra, que regula tal ofício. Contudo, hoje em dia, alguns irmãos têm preferido experiências e opiniões individuais aos princípios escriturísticos, suscitando grande divergência tanto entre pastores quanto no meio do rebanho a cerca de quais devem ser os objetivos e prioridades do ministro. Essa realidade tem atrapalhado o rebanho de Cristo a cumprir sua missão.
Por isso faz-se necessário resgatar urgentemente princípios bíblicos que regulam o ministério pastoral. Para tanto se definirá biblicamente o trabalho do pastor. E depois se analisará como ele deve ser realizado.
1 - DEFINIÇÃO DE MINISTÉRIO PASTORAL
Enumerar-se-á, a seguir, alguns textos das Escrituras para se definir o trabalho pastoral. Em Colossenses 1.27-29 Paulo escreveu: “aos quais Deus quis dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério entre os gentios, isto é, Cristo em vós, a esperança da glória; o qual nós anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo; para isso é que eu também me afadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim”.
Não há dúvidas de que o ministério de um apóstolo consistia em pastorear o rebanho de Deus. E em sua epístola aos colossenses, Paulo realiza esse trabalho fazendo frente a, pelo menos, dois problemas: o gnosticismo e a tensão que havia entre gregos e judeus.
Dentre outras coisas o gnosticismo tentava reduzir Cristo a um homem comum. E a rixa dos judeus para com os gregos era fruto de soberba espiritual e legalismo. É nesse contexto difícil que o apóstolo se esforçava em conduzir aqueles irmãos ao que é verdadeiro e relevante através da exposição das Escrituras. Esse esforço era intenso como uma agonia constante, sendo um anúncio didático que consistia em admoestar, confrontando o pecador com a verdadeira vontade de Deus, conforme o termo traduzido por “instruindo” nesse texto. (1)
Exortando os pastores de Éfeso a exercerem bem seu ministério, o mesmo apóstolo Paulo asseverou: “jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa” (At 20.20). Um bom pastor não deixa de alimentar suas ovelhas com a sã doutrina; contudo lhes dá tudo que necessitam para serem cada vez mais semelhantes a Cristo. O ministro comprometido com o reino não dá às ovelhas o que elas querem comer, e sim o que precisam comer.
Outro texto importante para ser considerado é Atos 6.4: “e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra”. Ele foi escrito no contexto em que o diaconato foi instituído para que os apóstolos tivessem tempo para pastorear. É possível que nessa ocasião os apóstolos tivessem recebido críticas por se envolverem com o serviço das mesas e não se dedicarem integralmente ao ensino da Palavra. O ponto aqui não é depreciar a ajuda aos pobres, e sim, exortar os homens chamados por Deus para exporem o texto bíblico a realizarem seu trabalho de servos da Palavra. (2)
Os textos acima representam bem outros que abordam nosso assunto. E diante deles o ministério pastoral pode ser definido da seguinte forma: O trabalho do pastor consiste em edificar e equipar os santos através da pregação fiel das Escrituras, pública e particular, e interceder pela igreja de modo que ela se aproxime da semelhança de Cristo desenvolvendo seus dons e sendo instrumento para o crescimento do rebanho.
Quanto ao conceito bíblico de ministério pastoral Eugene Peterson escreveu:
O meu trabalho não é resolver os problemas das pessoas ou torná-las felizes, mas ajudá- las a ver a graça operando em suas vidas. Isso é difícil, porque toda a nossa cultura segue em outra direção, dizendo que se você for suficientemente esperto e obtiver a ajuda certa, poderá resolver todos os seus problemas... Algumas vezes penso que tudo que faço como pastor é falar a palavra “Deus” em uma situação na qual ela nunca foi dita antes, onde as pessoas não reconheceram a Sua presença. (3)
O pastor pode realizar mais do que seu ofício pede desde que não deixe de cumprir a bom termo o ministério para o qual foi chamado. Resistindo a tentação de satisfazer uma sociedade antropocêntrica, o ministro deve preparar-se para sempre ter uma palavra de Deus às ovelhas que precisem de orientação, além de despertar os seus dons e treiná-las a exercê-los bem. Tudo isso deverá ter como alicerce as Escrituras e muita oração.
Ser pastor é mais que profissão é ofício. Este não é um trabalho temporário, pelo menos aos verdadeiros vocacionados, e sim um estilo de vida. (4) O relacionamento do pastor com o Senhor da igreja é essencial porque através disso o pregador será capacitado para ver além da mera e letra e porque se prega não apenas com palavras e sim com a vida.
Esse correto entendimento e a prática desse conceito bíblico de trabalho pastoral, tanto da parte do ministro, quanto da parte da igreja, será de suma importância para que o rebanho cumpra com o seu propósito de glorificar a Deus.
2 - COMO EXERCER O MINISTÉRIO PASTORAL
Não basta se definir o conceito escriturístico de ministério pastoral. É importante se refletir a respeito de algumas de suas implicações, ou como ele deve ser realizado. Essa questão precisa ser analisada à luz das Escrituras. Por isso, a seguir, considerar-se-á 1 Pedro 5.1-4, texto em que alguns aspectos do assunto são abordados com bastante clareza: “Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda co-participante da glória que há de ser revelada: pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória”.
Diante da perseguição que a igreja sofreu no primeiro século da era cristã, o apóstolo Pedro encorajou os pastores a continuarem sendo fiéis a Deus no exercício de seu ofício. Ele demonstrou que entendeu as palavras de Cristo quando o admoestou a apascentar as suas ovelhas (Jo 21.15-16) orientando os pastores a exercerem o ministério pastoral como o Senhor quer, e não como as pessoas ou a sociedade quer (v.2).
É digno de destaque o fato do apóstolo Pedro não fazer distinção entre presbíteros docentes e regentes aqui (v.1). Aliás, o Novo Testamento usa os termos “pastor”, “bispo” e “presbítero” como sinônimos. Enquanto “pastor” e “bispo” se referem à função do ministro, “presbítero” é um título atribuído aos que pastoreiam o rebanho de Deus. (5)
Conforme esse texto, o Senhor quer que seu rebanho seja pastoreado “espontaneamente” (v.2). Isso é o mesmo que dizer que o pastor deve realizar seu trabalho “de livre e espontânea vontade”, “sem empecilhos de ordem pessoal”. Seu ministério deve ser uma decorrência de sua vida com Deus, pois tudo quanto o homem faz depende de sua experiência pessoal com o Senhor.
Para cada princípio apresentado no texto Pedro apresenta um aspecto positivo e outro negativo. E pastorear “espontaneamente” é o mesmo que pastorear “não por constrangidos”, “não por obrigação” ou “medo”. (6)
Pastores também são imperfeitos. Por isso, às vezes, tocam o seu trabalho com motivações errôneas ou sem prazer genuíno, pastoreando “por constrangimento”. As visitas a necessitados de todo tipo e o preparo de bons sermões devem ser fruto de amor ao rebanho de Cristo e não por medo de ser chamado à atenção pelo conselho da igreja, ou de não aceitação por parte do rebanho. As reivindicações do ministro do evangelho devem ser motivadas pelas Escrituras e não pela tentativa de agradar as pessoas meramente.
Mas este texto nos ensina também que Deus quer que seu rebanho seja pastoreado “de boa vontade” (v.2), “livremente e por amor ao serviço do Senhor”. O aspecto negativo deste princípio é “nem por sórdida ganância”, que é o mesmo que não “trabalhar por dinheiro”, ou por “avareza”. As palavras de Jesus Cristo elucidam esse ponto: “O mercenário, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê vir o lobo, abandona as ovelhas e foge; então, o lobo as arrebata e dispersa. O mercenário foge, porque é mercenário e não tem cuidado com as ovelhas” (João 10.12,13). (7)
Pedro não estava censurando a remuneração, pois ela encontra respaldo na Bíblia. “... digno é o trabalhador do seu salário. Não andeis a mudar de casa em casa”, disse Jesus (Lc 10.7); “Não sabeis vós que os que prestam serviços sagrados, do próprio templo se alimentam? E quem serve ao altar, do altar tira o seu sustento? Assim ordenou também o Senhor dos que pregam o evangelho, que vivam do evangelho”, reiterou Paulo (1 Cor. 9.13,14).
Portanto compete à igreja dar aos ministros e àqueles que se preparam para o ministério condições espirituais e materiais para que o próprio rebanho seja servido e o Senhor seja louvado. Por isso, a igreja não deve se limitar a dar aos ministros o mínimo para o seu sustento, mas oferecer ao pastor o melhor que ela puder oferecer.
Mas por outro lado qualquer pessoa que se aventure no ministério não deve ter as finanças como sua maior motivação. As diversas vocações, hoje em dia, são justificadas pelo retorno financeiro, e essa não deveria ser a maior motivação de pessoa alguma, principalmente do pastor. E embora seja legítimo um ministro estudar uma mudança de campo por necessidade financeira, essa não deve ser a única nem a principal questão a ser analisada.
Ainda, Deus quer que seu rebanho seja pastoreado por homens que sejam “modelos” (v.3). Deve-se pregar também através do exemplo de vida. Assim fazia Cristo. Esta é uma forma indutiva de se pregar. Todo pastor exerce influência sobre pessoas, quer seja boa, quer seja má, mas é importante que se seja digno de ser copiado pelos crentes. Esse foi o conselho de Paulo ao seu jovem pupilo Timóteo que pastoreava a difícil igreja de Éfeso tendo que lidar com a desconfiança de seu ministério por conta de sua juventude (1 Tm 4.12). Após alguns anos de pastorado em uma igreja, nem todo mundo se lembrará dos sermões do pastor, mas da sua vida todos se lembrarão. (8)
O aspecto negativo desse princípio é pastorear “não como dominadores”, ou “não abusando continuamente da autoridade”. Essa autoridade se dá pelo chamado divino e pelas Escrituras, se expostas fielmente pelos pastores. Respeitabilidade se conquista através de uma conduta coerente com a fé cristã. (9) Há pastores e presbíteros que se tornam ditadores. Igrejas não têm donos. Respeito se conquista não se impõe. Muitas vezes essa tirania é uma forma de defesa ou de não saber lidar com a oposição.
CONCLUSÃO
Foi Deus quem instituiu o ministério pastoral tendo em vista o cuidado de sua igreja. Logo é ele quem chama, capacita e diz ao ministro, através das Escrituras, o ele que deve fazer. Antes de dar satisfação aos anseios e pressupostos da sociedade pós-moderna o pastor deve entender os pressupostos dessa sociedade tendo sempre a Bíblia como seu manual de fé e prática sem jamais afastar-se dos princípios bíblicos que norteiam o santo ministério. É nisso que consiste adorar o Senhor “em verdade”, de acordo com os preceitos bíblicos (Jo 4.24).
Contudo o exercício desse ministério deve ser exercido com a motivação correta. É nisso que consiste adorar o Senhor “em espírito” (Jo 4.24). Em 1 Pedro 5.1-4, texto brevemente analisado, o cuidado do apóstolo é conduzir os pastores da igreja perseguida do primeiro século a servir o Senhor de corpo e alma.
Enfim, os preceitos bíblicos a respeito do trabalho pastoral devem ser observados. O pastor deve ser servo da Palavra, servo do Senhor da igreja, entendendo a natureza do chamado para o ministério com seus privilégios e responsabilidades.
Dessa maneira pastores e igrejas cumprirão com seu propósito crescendo no conhecimento de toda a verdade e fazendo diferença neste mundo vil. E pela graça do Cordeiro esses ministros receberão a imarcescível coroa de glória. Amém.
(1) HUGHES, R.K. Preaching The Word Colossians And Philemon – The Supremacy of Christ. Illinois: Crosway Books, 1989, p.49.
(2) KISTEMACHER, S. New Testament Commentary Exposition of the Acts of the Apostles. Michigan: Baker Book House, 1990, p.222.
(3) PETERSON, E. O Pastor Contemplativo. Rio de Janeiro: Editora Sepal, 2002, p.14-15.
(4) PETERSON, E. op.cit. p.159.
(5) RAMSEY MICHAEL, J. Word Biblical Commentary – vol. 49 – 1 Peter. Texas: Word Books, 1988, p.277-278.
(6) OLGILVIE, L.J. The Preacher’s Commentary vol 34 James, 1, 2 Peter, Jude. Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1984, p.187.
(7) KISTEMACHER, J. New Testament Commentary Exposition of Peter, and Jude. Michigan: Bakerbooks, 1987 p.191.
(8) MICHAELS, J.R. Word Biblical Commentary vol. 49 1 Peter. Texas: Word Books, 1988, p.286.
(9) Ibid p.286.