O "Novo Normal" do Ministério de Adolescentes

Ana Lucia Bedicks
17/7/2020
Pais e Filhos

No início da pandemia no Brasil, eu assisti atentamente à participação do jovem biólogo e pesquisador Atila Iamarino no programa Roda Viva (1). Ele falou de alguns estudos científicos sobre o avanço da Covid 19 no Brasil e no mundo e o que mais me chamou atenção foi ele dizer, “Não quero dizer que o mundo que a gente vivia nunca mais vai voltar, mas não é para ele que vamos voltar.”

Sem qualquer aviso, o mundo que conhecemos de antes da pandemia acabou e teremos que aprender a viver nesse novo mundo.

Provavelmente muitos de nós já estamos nesse processo de aprendizagem, que vai desde desinfetar um pacote de batatinhas ao trabalho remoto. No âmbito da igreja, tivemos que aprender a realizar nossas celebrações, reuniões de oração e grupos pequenos on-line nas mais diferentes plataformas. Mas quando penso no trabalho com os adolescentes na igreja, minha preocupação aumenta. Os adolescentes e o mundo em que eles vivem estão em constante mudança, mas insistimos em estruturar nosso ministério com eles para um mundo e uma cultura de 30 ou 40 anos atrás. Se já estávamos alguns passos atrás antes da pandemia, essa distância vai ser ainda maior no que estão chamando de o “novo normal”? Ou será um tempo de mudar a forma como conduzimos o trabalho com eles para melhor alcança-los?

Temos a nosso favor o fato da nossa mensagem sobre o amor e salvação de Deus nunca mudar, mesmo no novo normal. Entretanto somente Deus não mudou nesse caos. Nós mudamos e nossos adolescentes também. O desafio é comunicar o mesmo conteúdo de maneira diferente para adolescentes que mudaram muito nesse período.

Como diz meu professor, Dr. Scott Cormode, em seu texto A Shared Story of Future Hope (2), precisamos começar conhecendo quem são os adolescentes que Deus nos confiou e quais são os seus anseios e perdas no mundo pós-pandemia. E para isso precisamos ouvi-los antes de querer ensiná-los. Ao fazermos isso estamos tentando agir com Jesus agiu, como nos lemos em João 1:14 “Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós”. Jesus abriu mão de seus privilégios e veio viver entre nós e ouviu nossos anseios, nosso sofrimento.

Durante esse período de quarentena tive a oportunidade de assistir um filme que mostra muito bem a importância dessa escuta. O filme Escritores da Liberdade, que está disponível em uma plataforma de streaming, conta a história real da professora Erin Gruwell e de seus alunos na Escola Woodrow Wilson, em uma área carente de Los Angeles. Ao começar a ensinar nessa escola ela se depara com uma realidade muito diferente da sua e é rejeitada por seus alunos que não se identificam com ela. Também encontra obstáculos com alguns professores, que não acreditam ser possível trabalhar com aqueles adolescentes e por não tem interesse algum por eles.

Erin percebe que precisa conhecer melhor seus alunos e para que consiga ensiná-los. Ela os convida a escrever um diário onde eles podem registrar o dia a dia deles, seu relacionamento com suas famílias, com seus amigos, com as gangues e como enfrentam os desafios impostos pela violência, pela falta de recursos financeiros, pela carência de afeto e pela falta de perspectiva de um futuro diferente de suas famílias. É assim que Erin começa a construir pontes para alcançar seus alunos. Recomendo o filme para todos aqueles que querem alcançar e ensinar as novas gerações.  

A pandemia e o distanciamento social tiveram um grande impacto na vida de crianças e adolescentes. Alguns estudiosos dizem que eles podem sofrer de estresse pós-traumático. Estudos realizados na Europa e na China demonstram que embora essa faixa etária não tenha sido tão acometida pela doença, houve um grande aumento do estresse emocional com prejuízo para a saúde emocional dos adolescentes (3). Numa fase tão importante do desenvolvimento em que os adolescentes buscam sua identidade, sua autonomia e do sentimento de pertencimento, eles tiveram que mudar bruscamente suas atividades e sua interação social com a família, amigos e professores. As incertezas sobre o ano escolar, ENEM, vestibular, intercâmbio, estágios, cursos extracurriculares, atividades esportivas, eventos como festas e formaturas causam nervosismo e ansiedade. Há também o medo de ser infectado ou que alguém de sua família seja infectado e de que seus pais percam seus empregos ou suas rendas. Tudo isso pode afetar de maneira muito negativa os cérebros em formação com consequências no presente e no futuro.        

As comunidades da fé não podem menosprezar as pressões e as angústias que os adolescentes podem estar enfrentando. Além disso, os pais também estão sofrendo com todas essas incertezas e medos e precisam de um suporte da comunidade da fé para si próprios e para lidar com seus filhos.

O novo normal nos traz a oportunidade de estarmos presentes nas vidas dos adolescentes, ouvindo, amando e ensinando a razão da nossa esperança.

(1) Roda Viva | Atila Iamarino | 30/03/2020 https://youtu.be/s00BzYazxvU

(2) Texto disponível em https://fullerstudio.fuller.edu/a-shared-story-of-future-hope/

(3) O custo da pandemia sobre a saúde mental de crianças e adolescentes https://jornal.usp.br/artigos/o-custo-da-pandemia-sobre-a-saude-mental-de-criancas-e-adolescentes/