Esmola
Mas, quando der um banquete, convide os pobres, os aleijados, os mancos, e os cegos
(Lc14.13).
A prática de dar esmolas vem de longe, já fazia parte da piedade do povo de Deus no Antigo
Testamento. Havia as esmolas ofertadas aos pobres andarilhos, aos cegos, aos leprosos e
esmolas feitas no templo, para o socorro mais geral das necessidades. O Novo Testamento
também conheceu e recebeu esta herança dos seus antepassados da primeira Aliança e a
praticava com naturalidade. A esmola significava compaixão, empatia, amor ao próximo. Era
um nobre gesto que demonstrava largueza de coração e desprendimento. Com o passar do
tempo, tudo que é próprio deste mundo caído, não demorou muito e o sentido de ofertas
esmolas foi completamente distorcido. Quer pelo legalismo, pelo exibicionismo, pelo culto à
vaidade e à justiça própria, quer porque pedir esmola foi de tal forma “beatificada” que
tornou-se para muitos um estilo de vida pretensiosamente piedoso e para outros, um jeito de
escapar das obrigações da vida. Sem querer ser moralista aqui, os reformadores tentaram dar
uma interpretação mais evangélica a esta prática. Primeiro, desmistificaram qualquer
santidade ou piedade embutida no fato de se viver de esmola e na pobreza voluntária, como
se fosse um voto religioso mais santo. Depois, valorizaram e deram ao trabalho uma dimensão
mais humana, mais bíblica, que nada tinha de maldição ou condição subalterna na sociedade.
Aliás, os monges beneditinos e cistercienses já entendiam a nobreza e a participação do
trabalho no processo de humanização e santificação. E por último, os reformadores
empreenderam esforços educacionais e criaram instituições para administrar a justiça e a
promoção social, evitando-se o assistencialismo e o clientelismo, que só fazem arrastar uma
condição de indignidade. Claro, nunca se negando o socorro imediato. O mundo mudou, a
cultura não é mais a mesma, o Estado é mais participativo nas questões sociais com modernas
leis e também a consciência religiosa não é mais a mesma. A esmola, hoje, aquela oferta que
somos às vezes provocados a fazer por um transeunte, um pobre que bate à nossa porta, nem
sempre é o melhor. A epidemia das drogas, do álcool e da violência desaconselham tal prática,
antes piedosa e hoje, em grande desconsideração. Embora as transformações citadas estejam
aí, uma coisa, contudo não mudou e Jesus mesmo já havia ‘profetizado’: os pobres estão
sempre conosco. Há pobreza em toda parte e em todo lugar. Mesmo na rica Europa, nos
opulentos Estados Unidos da América ou nas medianas condições latino-americanas, sem citar
a África, os pobres, a pobreza e a miséria estão por toda a parte. Não podemos ignorar o fato
de que os pobres estão no coração da agenda de Jesus: "O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar
liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar
o ano da graça do Senhor" (Lc 4.18,19) e a missão da Igreja não deveria, jamais, negligenciar os
pobres: “Naqueles dias, crescendo o número de discípulos, os judeus de fala grega entre eles
queixaram-se dos judeus de fala hebraica, porque suas viúvas estavam sendo esquecidas na
distribuição diária de alimento. Por isso os Doze reuniram todos os discípulos e disseram: Não
é certo negligenciarmos o ministério da palavra de Deus, a fim de servir às mesas. Irmãos,
escolham entre vocês sete homens de bom testemunho, cheios do Espírito e de sabedoria.
Passaremos a eles essa tarefa e nos dedicaremos à oração e ao ministério da palavra". (At
6.1-4) e ainda: “Somente pediram que nos lembrássemos dos pobres, o que me esforcei por
fazer” (Gl 2.10). Se pobres e pobreza nos rodeiam, a igreja e os crentes individualmente, não
podem ficar insensíveis e indiferentes, absolutamente! A necessidade de esmolas para quem
dá e quem recebe ainda se faz necessário, contudo, deve receber uma nova tradução e novas
maneiras de serem praticadas.
Em primeiro lugar devemos nos deixar indignar com a realidade da miséria.
Indignação não só religiosa, mas política, social, uma reivindicação da justiça.
Em segundo lugar, não permitir que essa indignação se torne ódio e descambe para a
violência de qualquer natureza, mas purificando-a pelo amor, que dá a exata dimensão
de todas as coisas. Ainda que esse amor seja inflamado e viril, ainda sim é amor. Em terceiro,
engajando-se. Há tantas oportunidades, tantas plataformas, tantas maneiras de servir, iniciar
um processo de transformação, enfim, abençoar que não restam desculpas aceitáveis,
justificáveis. Você pode fazer a diferença na vida de alguém e diminuir o fosso da
desigualdade e da pobreza sendo voluntário, fazendo renúncias fiscais, doando, participando
efetivamente de coletivos e conselhos que discutem e implementam políticas sociais,
políticas públicas. Você pode e deve fiscalizar o candidato em quem você votou e cobrar deles.
Também em sua igreja local, além de provocar a discussão sobre a realidade e animar outros
a se empenhar, em amor cobrar as lideranças da Igreja para que não haja negligência neste
ponto e que a igreja não descanse em um assistencialismo simplista ou invista todos os seus
recursos em eventos ensimesmados. O conceito religioso de esmola evoluiu, evolua você
também. Doe-se!