A casa do horror
“Pois chegou a hora de começar o julgamento pela casa de Deus; e, se começa primeiro
conosco, qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus?” (1 Pe 4.17)
Às vezes tenho a sensação de que a Pandemia colocou uma lente de aumento sobre as
mazelas da igreja. Quase não houve dia em que as manchetes dos jornais e revistas não
estampassem algum podre nosso. Falo nosso, porque essas coisas aconteceram na Igreja, com
membros da Igreja, não obstante pessoalmente não ter em absoluto qualquer envolvimento,
não sou menos atingido e talvez não queira dizer que não possua alguma culpa. Os jornais e
revistas não se cansaram de jogar luz na pastora que maquinou um macabro plano para
assassinar o marido, igualmente pastor. Sem falar no fato de que ambos, pastor e pastora não
só praticavam orgias sexuais e faziam pactos de sangue com os filhos adotivos, mas os
ofereciam como serviçais sexuais para outros pastores. Houve ainda aquele outro flagrado no
motel com meninos e meninas de dez, onze anos. Um outro simplesmente agrediu a esposa
durante uma live. Na “ala” católica romana do cristianismo a coisa também não anda nada
boa. Um Cardeal, que possui um estranho relacionamento com uma senhora em Roma,
desviou milhares de Euros do banco do Vaticano e fez inúmeras operações ilícitas para
favorecer familiares e se enriquecer de maneira fraudulenta. Há também o caso do padre
preso nos Estados Unidos fazendo sexo grupal no altar da Igreja, no mesmo altar onde
celebrava a Eucaristia. Também há o caso de um padre acusado de pedofilia e do bispo que,
agora responde à justiça, o fato de ter conhecimento das graves acusações e ainda sim,
encobrir e promover o sacerdote. Pela graça e misericórdia de Deus e só pela graça, não tenho
nenhum envolvimento com os fatos acima e ainda, por misericórdia de Deus, não tenho feito
nada parecido, até aqui. Confesso que me sinto atingido, sofro com essas notícias e muitas
vezes me envergonho com a publicidade e os efeitos negativos desses fatos que rapidamente
se generalizam e colocam a todos, inclusive a mim, nessa vala comum de corrupção moral e
podridão. Mas, como disse, não sou de todo inocente. Talvez se eu tivesse me dedicado mais à
oração, me consagrado mais a Deus, se tivesse pregado o Evangelho com mais poder e
entusiasmo, se eu tivesse enfrentado e desmascarado os falsos profetas e os lobos
transvestidos de pastores com mais audácia e coragem, quem sabe muitos dos males
semelhantes a esses não teriam acontecido. Se eu tivesse investido mais em minha santidade
pessoal, cultivado mais a pureza do coração, se tivesse confessado mais sinceramente os meus
pecados e tivesse sido menos hipócrita no meu seguimento de Cristo Jesus, talvez haveria
menos ocasião em torno da minha vida para que o escândalo e o mal se instalasse.
Seguramente essa casa dos horrores em que muitos segmentos cristãos têm se tornado nos
últimos dias não passa necessariamente por dificuldades estruturais e organizacionais. Não em
um primeiro momento. A caixa de Pandora aberta é o nosso coração desafeiçoado de Cristo.
É o nosso coração que abriga a impudicícia, a ambição desmedida, a avareza, o ódio, o
egoísmo endêmico e adâmico e os altares erigidos e bem conservado aos ídolos do mundo.
Esses escândalos todos são projeções dos nossos corações sob demãos de cosmético
religioso, que possui a aparência de piedade e que faz subir aos lábios palavras doces para
Deus e ‘amanteigada’ para os irmãos, mas que escondem a peçonha de nossos corações vis e
corruptos. Faríamos um bem incalculável se, de repente, nos preocupássemos menos (não
disse de todo), com esses escândalos públicos e deixássemos de apontar o dedo em riste para
os seus atores e nos preocupássemos, aí sim sem exagero, com o desgoverno e a rebeldia dos
nossos corações e clamássemos por mais misericórdia enquanto confessamos as nossas
iniquidades. Está mais que na hora de romper com essa religiosidade gospel, com esse
nefasto subproduto cultural evangélico e abandonar as “modinhas” dessa religião classe
média e voltarmos às raízes do Evangelho. Precisamos de um cristianismo raiz! Está mais que
na hora de abandonar a igreja-entretenimento, a igreja-terapêutica, a igreja-amiga e não sei
mais quantas existem, para voltarmos simplesmente ser a Igreja do Evangelho puro e simples,
a igreja de pecadores redimidos que auxiliados pela graça, estão em uma renhida batalha
contra o seu coração e as incitações do mundo ao pecado. Está na hora de nos inconformar e
desconformar do mundo, seu estilo de vida e seus padrões. Já amadureceu o tempo de
recuperarmos uma identidade de antítese ao mundo e de uma mais perfeita identificação com
Cristo, sua vida e seu Reino. Para que isso aconteça é preciso que nos voltemos à Bíblia com
fome da palavra, que os nossos púlpitos sejam ocupados por profetas e não por profissionais
da religião ou pastores de aluguel. Precisamos que em cada igreja haja um homem, com
uma Bíblia na mão, o coração pegando fogo e a lógica em chamas, bradando: “Assim diz a
Palavra do Senhor”. Somente quando os nossos corações forem saturados da Palavra de Deus
é que ocasiões pecaminosas com essas não ocuparão as manchetes com tanta frequência.
Reverendo Luiz Fernando, com temor, Pastor da Igreja presbiteriana Central de Itapira.